Já falei para vocês dos objetos de transição. Vou brevemente
recapitular o tema, de forma que todos possam recordar e entender o que eu vou
escrever hoje. A criança, depois de 1 ano de idade, costuma eleger um
brinquedo, paninho, travesseiro, para ser seu objeto de transição (termo
utilizado por Winnicott). Esse objeto é apresentado pela mãe e ao mesmo tempo
faz parte dela. Winnicott costuma dizer que o objeto transicional fica na
intersecção da relação entre os dois mundos, da mãe e do bebê, e na ausência
dela, ele a representa, como se fizesse parte de seu corpo. Esse objeto é
extremamente importante para que a criança adquira noções de segurança,
permanência do objeto, afeto. Daí não podemos desvalorizá-lo, arrancá-lo da
criança ou exclui-lo da sua vida. Com o passar do tempo, ele vai sendo deixado
de lado até que não exerça mais tal função.
Temos um pequeno no B4 que hoje chegou com um cachorrinho do
Doki. Ele não desgrudou do cachorro a manhã toda e quando foi tomar banho,
queria levar o cachorro consigo. A tia tentou tirá-lo dele, mas o pequeno ficou
muito aborrecido, e ela com dor no coração devolveu e vir à sala da tia Pri para que ela tentasse resolver essa situação. Eis que a tia Pri aqui
se agacha na altura do pequeno, olha em seus olhos, conversa com ele, explica
que na hora de tomar banho o au-au tem que ficar esperando na sala, que quando
ele voltar do banho o seu amiguinho estará lá, esperando por ele. Ele reluta um
pouco, mas digo que confio nele, que sei que ele confia na tia e que ele pode
confiar em mim também. Ele estica o braço e me entrega o cachorro. Sai para o
banho e eu levo o Doki para a sala. Enquanto ele toma banho aproveito para
"curtir" um pouco os pequenos do B4. Brincamos, fazemos farra e logo
mais ele retorna e olha para mim com carinha de cachorro pidão. Automaticamente
mostro pra ele onde está o cachorro e ele abre aquele sorrisão. Entrego o
mascote para ele e ele o abraça com alívio. Reforço que ele pode confiar nas
pessoas. Que todos vão cuidar bem dele quando ele tiver que comer, tomar
banho... Toda a programação de estimulação feita para o dia é substituída pelo
cachorro, que vira o alvo das atenções. Todos querem o tal Doki e o pequeno não
quer dividir. Então começo um trabalho de todos fazerem um carinho
no cachorro, ainda no colo dele. E todos fazem. Depois, peço para que ele dê um
beijinho no cachorro e me empreste para que eu também dê. Ele me empresta. Aí
peço que empreste para o outro amigo, depois o outro, depois o outro. E assim
ele cede. O cão volta pra ele. Agora vamos abraçar o au-au. E todos o abraçam.
No final da estimulação ele está emprestando o cãozinho para todos brincarem.
Não por muito tempo, claro, mas sem muita hesitação. Além disso, aproveito para
trabalhar nas crianças o sentido de por favor (me empresta o au-au) e
obrigado(a). Peço para todos repetirem e assim eles o fazem. Terminada a
estimulação, eles vão para o refeitório lanchar e o pequeno resiste em deixar o
amiguinho de pelúcia na sala. Conversamos novamente e ele me entrega o cão.
Além de lindo de ver, hoje o trabalho foi intenso. Ensinamos
para o nosso pequeno que ele pode confiar nas pessoas até mesmo o seu bem mais
precioso (que pra ele representa parte da sua mãe). Valorizamos o seu objeto e
o respeitamos, mas mostramos pra ele que é possível ficar sem ele por alguns
momentos, sem que seu ego seja ferido ou desestruturado. Deixamos que ele
experimentasse a sensação de compartilhar a experiência afetiva com o cachorro
com seus amigos, permitindo que todos o acariciassem e beijassem. Ele entendeu
que mesmo não estando ao alcance da sua visão, o cachorro continua existindo e
que ele pode transferir essa segurança de quando está com o cão em suas mãos,
na tia que cuida dele.
Seus amigos, por sua vez, aprenderam a respeitar o brinquedo do
colega, a dividir, a pedir emprestado ao invés de arrancar de suas mãos, a
agradecer. Eles aprenderam que existe vez para todos e que é preciso esperar a
sua vez para ficar com o cãozinho.
Passei várias orientações para as tias da sala, reforçando o
trabalho desenvolvido e espero que em casa os pais também consigam fazê-lo.
Certamente esse nosso príncipe não sairá o mesmo depois dessa experiência. E
nem nós, depois de termos podido viver tudo isso tão intensamente.
Priscila Zunno Bocchini
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